
A concessão de empréstimos aos participantes e assistidos é uma importante modalidade de investimento das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC). Essa operação, além de proporcionar uma alternativa de rentabilidade estável e previsível para os planos de benefícios, desempenha um papel social relevante ao oferecer crédito em condições acessíveis aos seus participantes.
No entanto, para que essa atividade seja sustentável e esteja alinhada às boas práticas de governança, é essencial que seja conduzida com rigor técnico, controles adequados e aderência regulatória. Foi com esse intuito que a ABRAPP publicou o Manual de Boas Práticas na Gestão de Empréstimos a Participantes e Assistidos das EFPC, um documento orientador que tem se tornado referência para as entidades do setor.
Neste artigo, exploramos os principais pontos abordados pelo manual, complementando com reflexões sobre os desafios contemporâneos da gestão da carteira de empréstimos — como a observância da margem consignável, a correta aplicação do IOF, o uso de sistemas automatizados e a adaptação às frequentes mudanças legais.
1. A importância estratégica da carteira de empréstimos
Os empréstimos a participantes representam uma fonte relevante de receita para os planos, com baixo risco, especialmente quando a operação está atrelada ao desconto em folha e respaldada por garantias. O seu bom desempenho contribui diretamente para do plano — uma vez que os ganhos contribuem para a rentabilidade geral dos ativos — e para o fortalecimento da solidez do plano.
A carteira de empréstimo também fortalece o vínculo com os participantes, uma vez que materializa antecipadamente a percepção das vantagens do participante em fazer parte do plano de benefício além de, com frequência, contribuir no processo de captação e retenção de participantes.
Contudo, como qualquer operação de crédito, a concessão de empréstimos carrega riscos que precisam ser devidamente geridos. A ausência de controles ou políticas claras pode resultar em inadimplência elevada, insegurança jurídica e exposição da EFPC a passivos e questionamentos de órgãos fiscalizadores.
2. Elementos fundamentais da boa gestão
O manual da ABRAPP lista os principais pilares para a gestão responsável da carteira. A seguir, destacamos os mais relevantes:
Política de concessão de crédito
Deve existir uma Política de Empréstimos formalmente aprovada, que defina critérios objetivos para a concessão, limites, taxas de juros, prazos máximos e regras de garantias. Essa política precisa estar alinhada à política de investimentos do plano e ser revisada periodicamente.
Margem consignável
A observância da margem consignável é um dos pontos mais sensíveis da operação. As EFPCs devem respeitar os limites legais e adotar mecanismos eficazes para acompanhar sua utilização, evitando o risco de superendividamento dos participantes.
Com o avanço do consignado do trabalhador, a gestão da margem tornou-se ainda mais desafiadora, exigindo sistemas integrados e processos ágeis para garantir que a entidade tenha ciência em tempo real da disponibilidade de margem dos participantes.
Garantias e mitigação de riscos
O manual orienta a adoção de garantias proporcionais ao risco de crédito. Entre elas, o próprio desconto em folha, seguro prestamista e fundo garantidor. É fundamental que as garantias estejam bem estruturadas contratualmente e sejam acionáveis em caso de inadimplemento.
Indicadores de desempenho
A gestão da carteira deve estar apoiada em indicadores gerenciais padronizados, como:
Índice de inadimplência
Rentabilidade líquida da carteira
Percentual alocação
Índice de cobertura dos custos administrativos
Esses dados permitem à EFPC monitorar a performance da carteira e identificar desvios de comportamento.
Contabilização adequada
A contabilização dos empréstimos deve seguir os princípios contábeis vigentes, com destaque para o registro do ativo financeiro ao valor presente, a constituição de provisões para perdas (de acordo com a inadimplência) e a adequada apropriação das receitas.
3. O papel do IOF na operação de empréstimos
O IOF — Imposto sobre Operações de Crédito — incide sobre o valor liberado ao participante no momento da concessão, e sua apuração e recolhimento devem seguir a legislação vigente. A alíquota padrão diária e adicional deve ser aplicada conforme o tipo de operação, respeitando os limites estabelecidos.
A responsabilidade pelo recolhimento é da própria entidade, que deve atuar como substituta tributária, calculando, retendo e recolhendo o imposto dentro do prazo legal. A falta de recolhimento do IOF sujeita a EFPC a multas, juros e autuações por parte da Receita Federal.
É imprescindível que o sistema de gestão de empréstimos esteja parametrizado para calcular automaticamente o imposto e gerar os arquivos necessários para cumprimento da obrigação acessória (como a DCTF), garantindo assim a conformidade tributária.
4. Transparência e educação financeira
Outro ponto abordado no manual diz respeito à transparência nas condições do empréstimo. O participante deve ser informado de forma clara e acessível sobre:
Taxa efetiva anual
Custo total da operação
Valor da parcela e quantidade de meses
Encargos incidentes (seguros, fundo garantidor etc.)
Além disso, a EFPC deve investir em educação financeira, orientando os participantes sobre o uso consciente do crédito, os impactos da inadimplência e a importância do planejamento financeiro pessoal.
5. A importância da padronização no aumento da eficiência e na redução de custos
A padronização dos processos e o alinhamento às boas práticas são pilares fundamentais para a melhoria contínua da gestão. Ao estruturar fluxos de trabalho claros, documentados e uniformes, a organização garante maior eficiência operacional, reduzindo retrabalhos, erros e a dependência de soluções improvisadas.
Além disso, a adoção de práticas consolidadas no mercado promove maior confiabilidade e transparência, fortalecendo a governança e o controle interno. Como consequência direta, observa-se a redução de custos, seja pela eliminação de desperdícios, pela otimização do uso de recursos ou pelo ganho de escala decorrente de processos mais enxutos e consistentes.
Em síntese, padronizar e alinhar-se às boas práticas não é apenas uma medida de conformidade, mas uma estratégia que amplia a eficácia, a sustentabilidade e a competitividade da organização.
6. Tecnologia como aliada da governança
Para transformar todas essas boas práticas em ações concretas, não basta apenas vontade ou conhecimento técnico: é preciso estrutura. E isso passa, inevitavelmente, por investir em tecnologia.
Um sistema eficiente de gestão de empréstimos deve:
Controlar automaticamente a margem consignável
Aplicar corretamente os encargos financeiros (juros, correção, IOF, seguros)
Emitir boletos, extratos e notificações automáticas
Permitir a assinatura eletrônica de contratos
Integrar-se com sistemas de folha ou de consignação
Gerar relatórios gerenciais e contábeis completos
Adaptar-se rapidamente às mudanças regulatórias
Além de aumentar a eficiência operacional, a automação reduz erros manuais, reforça os controles internos e fortalece a governança das operações.
Entre as soluções disponíveis no mercado, destaca-se a plataforma de gestão de empréstimos da Matera, que oferece recursos robustos para controle da margem consignável, cálculo automático de encargos e integração com os sistemas utilizados pelas EFPCs. A adoção de ferramentas com esse nível de especialização contribui para elevar o padrão de governança e conformidade nas entidades.
7. Desafios regulatórios e futuros
O ambiente regulatório das EFPCs está em constante transformação, introduzindo avanços na operacionalização e governança do crédito consignado, sem eliminar a relevância ou a viabilidade das operações realizadas pelas EFPCs. O principal alerta está na necessidade de adequações operacionais e tecnológicas, que podem ser bem gerenciadas com o uso de sistemas eficientes de gestão de empréstimos — como o da Matera — que facilitem a integração, o cálculo de margem e o atendimento às novas exigências digitais.
Além disso, com o avanço de plataformas como o crédito do trabalhador, a gestão da concorrência de margem e o acesso a dados em tempo real tornaram-se essenciais para a continuidade operacional da carteira de empréstimos das EFPCs.
Por isso, é fundamental que as entidades mantenham sua política e seu sistema atualizados, em consonância com os normativos da PREVIC, do Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC), e das autoridades fiscais.
Conclusão
A carteira de empréstimos é um ativo estratégico para as EFPCs — não apenas pelo retorno financeiro que proporciona, mas também pelo papel que desempenha na fidelização e no atendimento às necessidades dos participantes.
Seguir as boas práticas recomendadas pela ABRAPP, com políticas claras, controles rigorosos, observância legal e apoio tecnológico, é o caminho para garantir que essa operação seja segura, eficiente e sustentável.
Ao investir em governança e tecnologia, as entidades não apenas fortalecem sua carteira de crédito, mas também reforçam a confiança dos seus participantes e a credibilidade institucional perante o sistema de previdência complementar.
Texto escrito por Luis Nuss, coordenador do GT Empréstimo da Abrapp, e Renata Ferretti, sócia da Nuss & Ferretti