
Nos últimos anos, a tokenização de ativos emergiu como uma das inovações mais promissoras no cenário financeiro global. Impulsionada pelo avanço das tecnologias de registro distribuído (Distributed Ledger Technology – DLT), como o blockchain, essa abordagem tem o potencial de transformar radicalmente a forma como os ativos são emitidos, negociados e gerenciados.
Este artigo explora em profundidade os conceitos, a tecnologia, os impactos e as perspectivas da tokenização de ativos, com base no documento "Tokenização de Ativos: Conceitos Iniciais e Experimentos em Curso", publicado pela ANBIMA em 2025.
O que é tokenização?
A tokenização de ativos se refere ao processo de converter ativos do mundo real – sejam eles tangíveis, como imóveis e commodities, ou intangíveis, como títulos e direitos autorais – em representações digitais chamadas tokens, registradas em uma blockchain.
Esses tokens simbolizam a propriedade ou direitos sobre o ativo, o que permite negociações eficientes, transparentes e seguras em plataformas digitais.
Ao inserirmos esta tecnologia nos mercados financeiros poderemos aumentar sua eficiência, reduzir custos operacionais e ampliar o acesso a investimentos para um maior número de participantes.
Exemplos de tokenização de ativos
Os tokens são representações digitais de valores ou direitos, criptografados e registrados em tecnologia de registro distribuído (Distributed Ledger Technology – DLT em inglês).
Eles podem assumir um grande número de funções e características, desde moedas digitais a representação de propriedade ou acesso a serviços. Essa diversidade dificulta sua classificação exata, já que suas funções variam significativamente.
Os tokens podem ser categorizados em diferentes tipos, cada um com propósitos específicos:
Utility Tokens: são usados para acessar produtos ou serviços em uma plataforma blockchain. Por exemplo, o Ether, da rede Ethereum, permite executar contratos inteligentes e utilizar aplicativos descentralizados.
Security Tokens: representam direitos de propriedade ou participação em ativos financeiros, como ações, debêntures ou cotas de fundos. Por serem considerados veículos de investimento, estão sujeitos às regulamentações de valores mobiliários, como as definidas pela CVM no Brasil.
Tokens de Pagamento: funcionam como meios de troca para bens, serviços ou transferências de valor. O Bitcoin é o exemplo mais conhecido, amplamente utilizado como moeda digital.
Non-Fungible Tokens (NFTs): representam ativos únicos e não intercambiáveis, como obras de arte digitais, colecionáveis ou registros de propriedade intelectual. Sua singularidade os diferencia de outros tokens fungíveis.
Stablecoins: são ativos digitais projetados para manter um valor estável, geralmente atrelados a moedas fiduciárias como o dólar ou o euro. Eles oferecem estabilidade em um mercado volátil, servindo como ponte entre o mundo digital e as moedas tradicionais.
Central Bank Digital Currencies (CBDCs): moedas digitais emitidas por bancos centrais, como o Drex. Podem ser usadas para transações de varejo ou atacado, combinando a estabilidade das moedas dos países com os benefícios da tecnologia blockchain.
Como funciona a tecnologia para a tokenização?
A tecnologia que sustenta a tokenização é a blockchain, uma forma de DLT que permite o registro seguro, descentralizado e transparente de transações. O blockchain funciona como um "livro-razão distribuído", onde todas as transações são agrupadas em blocos conectados por funções criptográficas que garantem a integridade e a imutabilidade dos dados registrados.
Cada bloco é validado por consenso entre os participantes da rede, eliminando a necessidade de uma autoridade central – ao contrário dos sistemas financeiros tradicionais, que dependem de bancos de dados centralizados.
A rede pode ser classificada em dois tipos principais:
Blockchain Público: aberto a qualquer pessoa, como o Bitcoin e o Ethereum. Esses sistemas são descentralizados e transparentes, mas podem ser menos eficientes devido ao grande número de participantes.
Blockchain Privado ou Permissionado: controlado por uma entidade ou consórcio, com acesso restrito aos participantes autorizados. Um exemplo é a Hyperledger Besu, usada no piloto Drex no Brasil. Esses sistemas oferecem maior controle, eficiência e alinhamento regulatório, sendo preferidos em aplicações institucionais.
A escolha entre um blockchain público ou permissionado depende do caso de uso. Mercados financeiros, por exemplo, tendem a adotar blockchains permissionadas para atender a requisitos de privacidade e regulamentação, enquanto plataformas abertas, como as de NFTs, utilizam blockchains públicas para maximizar a acessibilidade.
O processo de Tokenização
A tokenização propriamente dita é o processo de transformar ativos físicos ou intangíveis em representações digitais (tokens) registradas em uma blockchain. Esses tokens refletem o valor econômico e os direitos associados ao ativo original, mas permitindo também sua negociação em um meio totalmente digital. Temos dois modelos principais de tokenização:
Tokenização de Ativos do mundo real - RWA (Off-Chain): nesse modelo, um ativo físico (como um imóvel, um carro ou uma obra de arte) é vinculado a tokens digitais. O ativo real continua existindo fora da blockchain, e os tokens servem como uma representação digital de frações ou a totalidade do ativo.
Tokens Nativos (On-Chain): aqui, os ativos são emitidos diretamente na blockchain como tokens, existindo exclusivamente em formato digital. Esses tokens podem representar instrumentos financeiros, como ações, debêntures ou até cotas de fundos, e são negociados dentro da blockchain.
O processo de tokenização envolve várias etapas:
- Escolha do ativo: definir o ativo a ser tokenizado, seja ele tangível (um imóvel) ou intangível (uma ação).
- Criação dos Tokens: utilizar smart contracts – programas autoexecutáveis na blockchain – para criar tokens que representam o ativo. Esses contratos definem as regras de propriedade, transferência e outros direitos associados, tal qual um contrato.
- Vinculação à propriedade: atrelar os tokens à propriedade do ativo em questão, garantindo que cada token corresponda a uma fração ou unidade completa do ativo. Em ativos off-chain, isso inclui também a vinculação a documentos, registros físicos, custódia, etc.
- Negociação: disponibilizar os tokens para negociação em plataformas digitais, como exchanges ou tokenizadoras, permitindo transferências rápidas e seguras entre os participantes.
Um exemplo prático: para tokenizar uma debênture, o emissor criaria tokens que representam frações do título em uma blockchain permissionada. Esses tokens, classificados como security tokens, poderiam ser negociados por investidores em uma plataforma digital, com todas as transações registradas na blockchain de forma transparente e imutável.
Benefícios da tokenização
A tokenização oferece vantagens significativas em relação aos sistemas tradicionais de gestão e negociação de ativos:
- Eficiência: reduz o tempo de liquidação das transações – de dias (D+2) para segundos (D+0) – eliminando processos manuais e intermediários, além de reduzir custos ao absorver responsabilidades de atores tradicionais ao internalizar processos executados automaticamente pelos smart contracts.
- Transparência: todas as transações são registradas em um livro-razão imutável, acessível para auditoria em tempo real por reguladores e participantes.
- Acessibilidade: o fracionamento permite que pequenos investidores adquiram partes de ativos caros anteriormente fora de escopo, como imóveis ou títulos de alto valor direcionados a investidores qualificados ou profissionais, democratizando o acesso ao mercado.
- Liquidez: facilita a negociação contínua (24/7) em plataformas globais, aumentando a liquidez de ativos tradicionalmente ilíquidos.
- Segurança: a criptografia e a descentralização do blockchain reduzem o risco de fraudes, manipulações ou falhas sistêmicas.
Esses benefícios tornam a tokenização uma ferramenta poderosa para modernizar os mercados financeiros, alinhando-os às demandas de um mundo digitalizado.
Impactos da tokenização nos mercados financeiro e de capitais
Podemos listar quatro impactos principais da tokenização nos mercados financeiro e de capitais:
- Maior variedade de ativos digitais transacionados
- Incremento da eficiência
- Novos papéis para os atores tradicionais
- Novos meios de pagamento
Abaixo você sabe mais sobre cada um desses impactos em detalhes.
1. Maior variedade de ativos digitais transacionados
A tokenização expande o universo de ativos negociáveis ao criar mercados para ativos antes inacessíveis ou ilíquidos. Dois conceitos centrais nesse impacto são o fracionamento e a rastreabilidade.
Fracionamento
O fracionamento permite dividir um ativo em partes menores, representadas por tokens. Isso reduz as barreiras de entrada para investidores, tornando possível adquirir frações de ativos de alto valor. Por exemplo:
- Um imóvel avaliado em R$10 milhões pode ser tokenizado em 100.000 tokens, cada um valendo R$100. Isso permite que investidores com recursos limitados participem do mercado imobiliário, algo impensável no modelo tradicional.
O fracionamento também cria mercados para ativos não financeiros, como energia renovável ou royalties de música. Por exemplo, uma usina solar poderia tokenizar sua produção futura, permitindo que investidores comprem frações da energia gerada.
Rastreabilidade e origem
A blockchain oferece um registro imutável da história de um ativo, desde sua origem até todas as transações subsequentes. Isso é especialmente valioso para ativos cujo valor depende da autenticidade ou procedência, como:
- Commodities: metais preciosos, como ouro ou diamantes, podem ser tokenizados com certificados de origem registrados na blockchain. A startup aXedras, por exemplo, utiliza essa abordagem para garantir a procedência ética de metais, atendendo a critérios ambientais, sociais e de governança (ASG).
- Obras de arte: um quadro famoso pode ser tokenizado com um histórico completo de propriedade e autenticação, aumentando a confiança dos compradores e facilitando sua comercialização.
Essa rastreabilidade não só agrega valor aos ativos, mas também abre novos mercados ao permitir a negociação de bens que dependem de sua história para justificar seu preço.
2. Incremento da eficiência
A tokenização melhora a eficiência dos mercados financeiros ao reduzir custos, acelerar processos e minimizar riscos. Três aspectos destacam esse impacto:
Liquidação Instantânea
Nos sistemas tradicionais, a liquidação de transações de valores mobiliários segue o modelo D+2 (dois dias úteis após a negociação). Com a tokenização, as transações podem ser liquidadas em tempo real, como demonstrado pela SIX Digital Exchange (SDX) na Suíça. A SDX integra negociação, liquidação e custódia em uma única plataforma blockchain, eliminando atrasos e riscos de contraparte.
Redução de Intermediários
A blockchain permite transações diretas entre as partes, eliminando intermediários como câmaras de compensação, depositárias centrais e agentes de custódia. Por exemplo:
Em uma negociação tradicional de ações, vários atores validam e processam a transação. Na blockchain, o registro distribuído e os smart contracts automatizam esse fluxo, reduzindo custos e complexidade.
A Vórtx QR Tokenizadora, no Brasil, exemplifica essa tendência ao oferecer escrituração e negociação de ativos tokenizados sem depender de múltiplos intermediários.
Automação com Smart Contracts
Contratos inteligentes automatizam processos como o pagamento de dividendos, juros ou a transferência de propriedade. Por exemplo, uma debênture tokenizada pode ter um smart contract que distribui os juros automaticamente aos detentores dos tokens em uma data pré-definida, o que reduz erros manuais e atrasos.
Esses ganhos de eficiência têm o potencial de reduzir significativamente os custos operacionais dos mercados financeiros, beneficiando emissores, investidores e reguladores.
3. Novos papéis para os atores tradicionais
A tokenização redefine os papéis dos participantes tradicionais do ecossistema financeiro, exigindo adaptação e inovação.
Custodiantes
No modelo tradicional, custodiantes mantêm a posse física ou eletrônica dos ativos. Com a tokenização, a custódia passa a envolver a gestão das chaves privadas que controlam o acesso aos tokens na blockchain.
Exchanges
Existem plataformas que estão integrando múltiplas funções – listagem, negociação, liquidação e custódia – em uma única infraestrutura blockchain. Isso elimina a fragmentação do modelo tradicional, onde cada etapa é gerenciada por uma entidade diferente.
Intermediários
Embora a tokenização promova a desintermediação, novos intermediários podem surgir para facilitar o processo, como empresas especializadas em criar tokens ou gerenciar plataformas de negociação. Os atores tradicionais precisam desenvolver competências tecnológicas para competir nesse novo cenário.
4. Novos meios de pagamento
A tokenização impulsiona a adoção de meios de pagamento digitais, como stablecoins e CBDCs, que podem ser usados para liquidar transações diretamente na blockchain.
Stablecoins
Stablecoins, como o USDC, são atrelados a moedas fiduciárias e oferecem estabilidade em um mercado volátil. Eles permitem transações rápidas e seguras, servindo como alternativa aos sistemas de pagamento tradicionais.
CBDCs
Moedas digitais emitidas por bancos centrais, como o real digital, combinam a segurança das moedas soberanas com os benefícios da blockchain. Elas podem ser usadas para liquidar transações de ativos tokenizados em tempo real, eliminando a dependência de sistemas legados.
O documento destaca que a liquidação de ativos tokenizados pode ocorrer de duas formas:
- Via APIs: conectando a blockchain aos sistemas de pagamento tradicionais, como o PIX no Brasil.
- Na Blockchain: usando tokens de pagamento (stablecoins ou CBDCs) para liquidação atômica, onde a transferência do ativo e do pagamento ocorre simultaneamente.
A segunda opção é mais eficiente, mas depende da ampla adoção de meios de pagamento digitais confiáveis.
Experimentos de tokenização em curso
O documento da ANBIMA apresenta exemplos práticos de tokenização, destacando projetos no Brasil e no exterior.
SIX Digital Exchange (SDX) – Suíça
A SDX, lançada em 2021 pela SIX Exchange, é a primeira bolsa de valores digital totalmente regulada. Ela utiliza uma blockchain permissionada para integrar negociação, liquidação e custódia de valores mobiliários tokenizados. A liquidação instantânea (T+0) e a eliminação de intermediários demonstram o potencial da tokenização para modernizar os mercados.
Vórtx QR Tokenizadora – Brasil
No sandbox da CVM, a Vórtx QR Tokenizadora é a primeira exchange de valores mobiliários digitais do Brasil. Ela utiliza a blockchain Hathor para emitir e negociar ativos como cotas de fundos e debêntures, atuando também como custodiante digital. Esse projeto ilustra como o Brasil está explorando a tokenização para criar mercados mais eficientes.
Bolsa OTC – Brasil
Aprovada no sandbox do BCB, a Bolsa OTC tokeniza Certificados de Crédito Bancário (CCB) conversíveis em ações, usando a blockchain R3 Corda. A plataforma permite a participação de investidores pessoa física e oferece liquidação instantânea via Pix, ampliando o acesso ao financiamento para pequenas empresas.
Esses experimentos mostram que a tokenização já está em fase de implementação prática, com resultados promissores para o futuro dos mercados.
Portanto, a tokenização de ativos representa uma revolução nos mercados financeiro e de capitais, com o potencial de aumentar a eficiência, reduzir custos e criar novos mercados. Ela oferece benefícios claros, como liquidez aprimorada, acessibilidade e transparência, mas também enfrenta desafios, incluindo a necessidade de clareza regulatória e interoperabilidade tecnológica.
Os experimentos em curso, no Brasil e no mundo, são passos cruciais para testar e refinar essa tecnologia. A colaboração entre reguladores, instituições financeiras e inovadores será essencial para aproveitar plenamente seu potencial. À medida que a tokenização amadurece, ela pode se tornar uma peça central do ecossistema financeiro global, redefinindo a forma como interagimos com ativos e mercados.
O futuro do setor financeiro com ativos digitais
A tokenização de ativos já se consolida como uma força transformadora no setor financeiro, e seu avanço demanda atenção e proatividade. Como vimos, essa tecnologia não apenas otimiza processos e reduz custos, mas também democratiza o acesso a investimentos e cria novos mercados.
Para que as instituições financeiras capitalizem plenamente esse movimento, é fundamental não apenas entender os fundamentos da tokenização, mas também se aprofundar em seus componentes chave.
Nesse cenário, o papel das stablecoins é de particular relevância, atuando como a ponte essencial entre os ativos tokenizados e a liquidação eficiente no mundo digital. E você já pode liderar esse movimento: com Matera Digital Twin e nossa parceria com a Circle, você tem a tecnologia necessária para a oferta de stablecoins dentro da experiência que o seu cliente já conhece. Saiba mais, preencha o formulário e entraremos em contato!